eu já vou começar pedindo desculpas pelo mês de distância do blog. não por que eu ache que alguém sentiu falta, não vou ser tão pretencioso, mas por achar que uma vez assumindo o compromisso de um blog, é obrigação atualizá-lo, não importa se são 10 ou 1000 pessoas lendo. então por isso vamos falar de coisa boa, até por que eu não poderia deixar de dedicar um texto inteiro ao Sotero, afinal, se o D.O.M. foi o início de São Paulo, o Sotero foi o meio e o 'até breve'.
como eu falei no texto anterior, eu iria passar o mês de novembro estagiando com o chef Rafael Sessenta, comandante da cozinha do Sotero. novembro passou e foi só alegria. o Sotero foi uma escola, é o sonho pra quem gosta de cozinha regional, além de ter uma excelente estrutura: cozinha ampla e profissionais dispostos a te ensinar, coisa que não se encontra em todo lugar.
muita gente me perguntou como eu consegui os estágios em São Paulo. sobre o D.O.M. eu já expliquei antes, sobre o Sotero eu vou explicar agora: liguei pro chef. e não, ele não me conhecia. o que eu ainda não expliquei é que conheci o trabalho dele através da minha tia, Luciana de Melo, que me emprestou o primeiro livro escrito por ele, Memórias de um Homem na Cozinha. pesquisei um pouco mais sobre a história dele, sobre o programa que apresentava na TV Salvador, sobre a forma como trabalhava os ingredientes nacionais e resgatava pratos e a cultura da Bahia contida neles. até aí eu não sabia se o chef continuava com sua Escola de Gastronomia em Salvador, se estava com restaurante na cidade ou alguma das outras inúmeras possibilidades. na verdade ele estava longe dali, mais precisamente no bairro de Santa Cecilia, em São Paulo, inaugurando o 'Sotero Cozinha Original'. nessa época me perguntei: que estudante de gastronomia não pensa em passar pelo menos um tempo em São Paulo? se tem, eu não conheço, e também nunca foi o meu caso; era a hora de ver qual era. telefone na mão, liguei pro chef e pedi pra passar um tempo aprendendo com eles. pra minha felicidade, ele foi sempre muito acessível e me recebeu pra uma temporada por lá, logo depois que passei pelo D.O.M. ah, por que eu liguei? como eu liguei? isso se faz? sou cara-de-pau? tudo isso a Sudbrack responde muito melhor do que eu poderia responder quando escreveu em seu blog: ''(...) insista, mande cartas, se expresse, se debata, ligue, tente até as últimas consequências. nós já estivemos no seu lugar e certamente teríamos feito o mesmo''. tá vendo? então, não fica de vergonhinha, de preguicinha. é a Sudbrack falando, acredita nela!
voltando ao Sotero, se eu fosse listar tudo o que aprendi por lá, demoraria ainda mais até esse texto ficar pronto. pra resumir, além das moquecas, bobó, baião, arroz do mar, de polvo e de hauçá, ambrosia, banana real, o MELHOR pudim de tapioca, cocadas, bolinho de estudante e obviamente, acarajé, caruru e vatapá entre outras maravilhas, aprendi muito sobre trabalho em equipe, hierarquia e mise en place, e como uma mise en place bem feita faz o serviço fluir muito mais fácil e natural.
e por ter aprendido tudo isso e muito mais é que agradeço ao chef Rafael Sessenta pela oportunidade e paciência durante suas explicações...
...a Lai Galvão e ao Rafa Spencer por também terem me recebido tão bem...
...a toda a galera do salão e, como não poderia deixar de ser, ao Mineiro, que me mostrou como a cozinha pode e deve ser realmente descomplicada...
...a Jô, que me deu a base do acarajé e ao Duca, que mostrou o passo a passo de todo o processo até termos uma carne de sol de excelente qualidade...
...e finalmente a Lú, a baiana recém-chegada, parceira na produção dos doces e que me ensinou um molho de pimenta daqueles.
eu não tenho palavras pra dizer o quanto essa experiência foi grandiosa pra mim. vocês são minhas maiores saudades de São Paulo e espero voltar pra quem sabe dar sequência a este ciclo. obrigado do fundo do coração mesmo!
agora vocês ficam pensando, ''mas e aí, Felipe? foi, aprendeu, gostou, se divertiu, comeu bem...e não vai dividir nada com a gente?'' lógico que vou! da mesma forma que o chef dividiu em uma entrevista dada à revista 'Prazeres da Mesa', na qual ele fala sobre os rumos que a cozinha baiana está tomando e o que fazer para torná-la viável fora da Bahia e do Brasil, por que não? além disso o chef revela ao final da entrevista algumas receitas, entre elas a do Arroz de Hauçá, um dos carros-chefes do restaurante. prato afro-baiano, trazido pra cá pelos negros hauçás - muçulmanos habitantes do norte da Nigéria - e historicamente oferecido à Oxalá e Iemanjá, sendo cozido somente em bastante água, sem óleo e nenhum tempero, até ficar mais 'empapado' (fonte: Sou Salvador). gastronomicamente falando, é um arroz que passou do ponto e que ganha cremosidade ao ser somado ao leite de coco, servido com carne seca e molho de camarão seco. no prato servido no Sotero, o molho de camarão seco dá lugar a camarões frescos, uma grande sacada do chef.
sem me prolongar ainda mais, recomendo a leitura esclarecedora dessa entrevista. a receita que vou passar é praticamente a mesma que ele dá ao final da entrevista, com algumas pequenas adaptações, já que em outros estados alguns ingredientes não são tão facilmente encontrados como na Bahia, caso do camarão seco, por exemplo.
sobre a foto, eu não conseguiria tirar uma melhor que essa nunca.
é com muita saudade do Sotero, de Salvador e de São Paulo que peço que aproveitem a verdadeira cozinha original da Bahia, cheia de história, cultura e muito, muito sabor.
beijo a todos.
arroz de hauçá (4 pessoas):
para o arroz:
- 400g de arroz já pronto (não comprado pronto, o que foi feito por você!)
- 1 xícara de chá de leite de coco
- 2 colheres de sopa de amendoim torrado e triturado
- 2 colheres de sopa de castanha de caju torrada e triturada (hoje você já encontra tanto a castanha quanto o amendoim já triturados no supermercado)
para a carne seca:
- 500g de carne seca de boa qualidade
- 1 cebola roxa picada
- azeite de oliva
- um punhado de salsinha picada
para o camarão:
- 500g de camarão grande e já limpo
- 1 cebola picada
- azeite de oliva
- azeite de dendê
- um punhado de cebolinha picada
- sal
o arroz é o seguinte: você pode usar aquele arroz que já tem pronto na sua casa, sem problema nenhum; mas caso faça um novo, ao invés de fazer na proporção de 2 pra 1 de água, utilize um pouco mais, ou seja: pra 1 1/2 xícara de arroz, utilize entre 3 1/2 e 4 xícaras de água, o que vai deixar o seu arroz um pouco mais 'unido' eu diria. não acrescente ainda o leite de coco e os demais ingredientes, ainda vamos chegar lá.
deixe a carne seca de molho em um recipiente com água de um dia pro outro. troque a água esporadicamente, mais ou menos de 3 em 3 horas. eu não tenho muita regra pra isso, ou seja, não precisa acordar no meio da noite pra trocar a água. no dia do preparo, coloque uma panela com água pra ferver e escalde a carne. escaldar nada mais é que colocar a carne na panela com água fervente e retirar alguns minutos depois. você pode repetir (ou não) esse processo 2 ou 3 vezes para que a carne fique mais ou menos dessalgada. depois desse processo, descarte a água da panela, encha novamente e cozinhe até que a carne fique macia. quanto tempo é isso? o tempo necessário, você vai perceber quando a carne estiver numa textura boa pra desfiar, ela vai se desfazer facilmente.
com a carne já desfiada, aqueça um fio de azeite de oliva numa frigideira, refogue sem dourar a cebola roxa picada (deixe apenas a cebola murchar levemente), adicione a carne desfiada e um minuto depois a manteiga de garrafa. deixe apurar um pouco, mexendo apenas de vez em quando. finalize com a salsinha picada. prove e corrija o sal se necessário. dica: não deixe muito tempo a carne refogando na frigideira, esse processo é bem rápido, até por que a carne já está cozida. caso passe do tempo, a carne vai ficar ressecada e perder muito em textura.
o tempo de preparo do camarão é bem reduzido, por isso atenção total pra que ele não passe do ponto: em uma frigideira aquecida, refogue a cebola picada em um pouco de azeite de oliva. adicione o camarão, sal, um fio de azeite de dendê e a cebolinha verde picada.
hora de finalizar: aqueça em uma panela o leite de coco, adicione o arroz, a castanha e o amendoim. mexa até que o arroz agregue todo o leite. com a carne refogada e o molho de camarão prontos, é só servir e aproveitar esse prato que rendeu até uma aulinha de história né?
qualquer dúvida, manda uma carta ;)
e para os que estão em São Paulo, ou de passagem por lá, vale a pena conferir as delícias do Sotero:
Sotero Cozinha Original
R. Barão de Tatuí, 282 - Santa Cecília, São Paulo/SP
11 3666-3066
http://www.soterorestaurante.com.br/