segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

''as notas de um bom prato'' - por luiz santos

Não, eu não desisti. Ainda tô forte aqui, ressurgindo da auto-combustão como a fênix. Quase de volta do sarcófago da pirâmide com as energias renovadas e de olho no meu caldeirão dos desejos.


Sempre em contraponto, contrapartida e contracultura. 


E hoje, depois de algum tempo em ausência e sem influência, a inspiração do Luiz veio pra colocar tudo nos trilhos. Luiz Santos é meu irmão, e devo agradecer à Unirio por isso. Pelo menos por isso.


420 planos juntos. De ideias, ideais e sociedade. Esse ano é de dominar o mundo das panelas e mentes quentes, molhos brilhantes, endívias confitadas e caramelos de tamarindo.

Eu lembro quando numa reunião nossa ele me perguntou se eu me importaria em colocar aqui no blog um(uns) texto(s) dele. Esse post responde sua pergunta? E sabe o que me deixou mais feliz? Quando eu falava da Sudbrack com os olhos brilhando e você vinha com a promessa que ia estudar mais sobre ela. É bom ver que você se rendeu; algumas coisas na vida são inevitáveis, meu caro.



Sem parecer clichê, coloque muito amor no que faz e você vai ter certeza do resultado. Porque um pouco de amor nos dias de hoje é pouco. O garoto tava inspirado no texto, então coloquem seus capacetes e armaduras e leiam a chuva de pedra que está por vir.


Um beijo a todos vocês.


por Luiz Felipe Santos:


Cozinha e vida: um paralelo entre panela, fogão e tudo que se encontra fora da cozinha - a minha visão de como se entrelaça o universo culinário com os elementos cotidianos.


Tema de hoje: As notas de um bom prato.


Quando se é músico de coração e cozinheiro de profissão - e coração também -, é fácil enxergar infinitas semelhanças entre essas duas grandes artes (caso você tenha um bom gosto musical e seja um gourmet, tenho certeza que você sabe do que eu tô falando!). E a receita, tanto para um bom show quanto para um bom prato, é a mesma. Quando você tem seu mise-en-place pronto, seu instrumento afinado, receitas e notas decoradas e muita vontade (sim, você vai precisar disso aos montes), as coisas parecem mais simples. Porque no final das contas não há muitos segredos na verdade, e parece difícil de acreditar. O 'grande segredo' é o capricho na produção do que se faz. Se você usa as notas certas, os ingredientes que você escolheu com todo cuidado e depois investe esse cuidado na preparação do seu bolo ou melodia, não há muito com o que se preocupar. É claro que há espaço para os improvisos, é só ouvir o Coltrane ou perguntar pra minha  a receita da galinhada dela que muda todo domingo. 


Se você já esteve na cozinha de um restaurante em horário de pico, sabe que funciona como uma orquestra. Cada parte da cozinha tem sua função; o sous-chef como Spalla, o chef como Maestro...e mesmo assim às vezes tudo desanda, parece uma gravação de Hell's Kitchen com gritos mais quentes que as panelas que estão no fogo ou uma matéria da Veja falando dos problemas que os músicos da OSB tiveram com o Minzuck. Isso acontece também em casa: quando você esquece de salgar a carne, troca o sal pelo açúcar, não acha a palheta ou machuca a boca com o trompete. Não se desespere! É normal que nem sempre as coisas saiam como foram planejadas. E mesmo assim elas ainda podem ser surpreendentes! Eton Mess, uma tradicional sobremesa inglesa, surgiu de uma grande escorregada. Tarte Tatin também. As irmãs Caroline e Stèphanie Tatin, após a morte do pai, começaram a administrar o hotel da família, uma cuidava da recepção e a outra da cozinha. Por um descuido, a torta de maçã caramelizada foi ao forno sem massa no fundo da forma. Muito tarde para reparar o erro, ela cobriu a receita com a massa, esperou ficar pronta e serviu ao contrário para os convidados, que por sua vez ficaram extasiados com a novidade. E Blackbird dos Beatles, se me lembro bem, o Paul e o George tentavam tirar uma música do Bach, e como nunca saía igual eles aproveitaram a forma que eles tocavam. 


A grande certeza é que quando se serve à bocas ou ouvidos e se é bem recebido, com aplausos ou ''Huuumms'', é uma grande felicidade. Parece que músicos e cozinheiros partilham essa vontade de agradar a si mesmos, orgulhosos de seus esforços, e aos outros. Escutar ''Love, devotion and surrender'', que mesmo sem nenhuma palavra, nos faz entender que esse é um grande lema pra levar pra vida. Sim, ''amor, devoção e entrega'' é o que transparece quando se vê o Anthony Bourdain e suas reações orgasmáticas numa barraquinha de comida de rua no Vietnã, em seu programa ''Sem Reservas'', ou quando a Sudbrack transforma o ordinário quiabo de todo dia, quebrando estigmas de fibroso ou cheio de baba, num extraordinário quiabo defumado em camarão semicozido.


E como antes de tudo esse blog é sobre culinária, deixo aqui uma receita da chef que me inspirou a escrever essa coluna.


Tartare de Abóbora, por Roberta Sudbrack













- 200g de abóbora madura
- 1/2 cebola em fatias finas
- 2 colheres de sopa de passas pretas sem caroço
- 1 colher de sopa de gengibre fresco ralado
- 1 xícara pequena de vinagre de arroz
- 2 colheres de sopa de açúcar mascavo
- azeite de oliva extravirgem
- sal
- sementes de abóbora


Corte a abóbora em pequenos cubos.
Em uma panela, aqueça por alguns minutos o vinagre e o açúcar.
Depois, acrescente a abóbora e cozinhe por 2 minutos. 
Adicione as passas e cozinhe por mais 2 minutos.
Retire do fogo e junte o gengibre ralado.
Passe para um recipiente e reserve.
Na mesma panela, acrescente 2 colheres de sopa de azeite e doure ligeiramente a cebola. 
Misture a cebola com a abóbora e tempere com sal e azeite. 
Deixe descansar por pelo menos 2 horas na geladeira.
Enfeite com as sementes de abóbora (levadas ao forno com sal e pimenta-do-reino até ficarem crocantes) e sirva. 


Luiz, sem palavras. Máximo respeito.